A MTIR é aplicável a Estudos de Viabilidade de Projetos Imobiliários?
Luis Enrique Villanueva[1] (CEO da ELLU Engenharia & Consultoria)
Estudos de Viabilidade de Projetos Imobiliários reportam conjunto de indicadores financeiros tais como a TIR, o VPL, a MTIR, o VPLa (Valor Presente Líquido Anualizado ou Valor Anual Uniforme Equivalente), o ROI e o ROE (Retorno sobre o Capital), dentre outros mais pontuais e especialmente requeridos para este particular tipo de negócio, como é o caso da Exposição Máxima de Caixa (Cash Out) e o Payback, por exemplo; mas que no todo, buscam balizar a viabilidade e atratividade do investimento perante os olhos de Incorporador, Construtora e Banco Financiador da Obra, enquanto agentes econômicos que interagem para a efetiva realização do Empreendimento Imobiliário em se.
Todavia, convém alertar que esses indicadores apresentam em si mesmos, vantagens e desvantagens de uso que devem ser levados em conta quando da sua escolha, leitura e subsequente aplicação ao estudo, propriamente dito, pois a profusão deles na avaliação de um Projeto Imobiliário não necessariamente pressupõe a otimização da análise. Por outras palavras, mais indicadores não significam melhor avaliação[2]. Tal é o caso do uso do ROI e do ROE na avaliação desses negócios em que talvez não sejam os mais apropriados, pois a capacidade de autofinanciamento desses projetos, ainda que parcial, com vendas na planta e “pagamento” do terreno através de permuta, acabam por distorcer o montante do Investimento realizado e o do Capital, de fato, aportado pelo Incorporador. Isto, para citar dois exemplos a serem observados.
É nessa linha de raciocínio que aqui se debaterá a necessidade de uso da MTIR como “substituto retificador” da TIR neste particular tipo de negócios. É bem verdade que a TIR (conceito proposto por John Maynard Keynes) apresenta ao menos duas falhas ou inconsistências que resultam em restrições[3] no ato de sua leitura; sendo uma delas i) a alternância de sinal positivo e negativo no fluxo de caixa em mais de uma vez e, a outra, ii) supor que os fluxos de caixa negativos são financiados a uma taxa igual à TIR e os fluxos de caixa positivos reinvestidos à própria TIR. Para “sanar” ambas falhas, tem sido proposta a MTIR enquanto taxa de desconto cujo propósito é eliminar as inconsistências da TIR.
Porém, há quem diga que a própria MTIR é apenas uma “gambiarra” já que o analista arbitra taxas externas sobre os fluxos positivos e negativos e, portanto, polui a taxa de desconto resultante, considerando de um lado, o custo do dinheiro captado como empréstimo para financiar o Empreendimento e, do outro, entende que o dinheiro que o Empreendimento gera será reinvestido nele próprio. Assim, a MTIR compara todas as Receitas Equivalentes na data terminal n com todos os Custos Equivalentes na data 0 do Projeto, desconsiderando os sinais negativos. A seguir, sua notação matemática:
Para operacionaliza-la, começa calculando o valor dos Custos Equivalentes, trazendo-o a Valor Presente (VP), a uma taxa de juros i igual ao valor do Custo do Capital (WACC[4]), os valores negativos do fluxo de caixa até a data 0. Depois, calcula o valor das Receitas Equivalentes, capitalizando a Valor Futuro (VF), através da Taxa de Reinvestimento (que pode ser a TMA), os valores positivos do fluxo de caixa na data terminal n. Da relação desses dois valores equivalentes se obtém o valor da MTIR. Em função dessa aplicação (inclusão de taxas), se tem que a MTIR será menor que a TIR do Projeto[5].
Debate: A MTIR é aplicável a Estudos de Viabilidade de Projetos Imobiliários?
Vimos até aqui que a TIR apresenta falhas e que a MTIR se propõe saná-las, muito embora ela própria também sofra críticas à medida que analistas financeiros arbitram taxas externas aos valores positivos e negativos do fluxo de caixa e por isto mesmo acabem influenciando a nova taxa de desconto resultante. Porém, há perguntas anteriores que precisam ser respondidas: as falhas da TIR impactam a análise dos Empreendimentos Imobiliários? Se não impactam, qual seria o papel da MTIR nessas análises e que efeitos trariam sobre as decisões de investimento?
Assim, a seguir se analisam as consistências dessas “falhas” no âmbito dos Projetos Imobiliários.
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As falhas da TIR impactam a análise dos Empreendimentos Imobiliários?
I) Alternância de sinais positivos e negativos no fluxo de caixa
Em relação à primeira falha da TIR observa-se na análise de Projetos Imobiliários que a oscilação de sinais no fluxo de caixa não é uma constante, mas ao contrário, em geral, desenha uma curva negativa ao início do processo e ela vá tornando-se positiva após uma certa etapa, seguindo assim até o final do processo. Algo como um “V” ou um “ ”. Para exemplificar esse efeito, a seguir se apresentam gráficos de dois empreendimentos localizados no Rio de Janeiro, nos quais se observa o “padrão” que tais curvas definem e vê-se que nelas não há oscilações.
Ou como também pode ser observado na pág. 244 do Prospecto Definitivo do IPO da Abyara Planejamento Imobiliário S.A. realizado em 25 de julho de 2006 em que apresenta-se o resumo do fluxo de caixa de 32 projetos analisados no documento, verifica-se que a curva é a mesma. Isto é, não há as repetidas oscilações da valores negativos e valores positivos.
Assim, pondera-se aqui que a alternância de sinais no fluxo de caixa de investimentos realizados no mercado financeiro, bastante comuns, possa ter induzido ao uso generalizado da MTIR, inclusive em Empreendimentos Imobiliários, sem se atentar para a curva “padrão” desenhada por estes em seus fluxos de caixa não oscila. O quadro abaixo, mostra que a alternância de sinais nos rendimentos anuais dos últimos 11 anos (2009-2019) é, de fato, uma constante e, portanto, nela sim se “justificaria”.
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Valores Negativos financiados à TIR e Valores Positivos reinvestidos à TIR
Por sua vez, ao balizar se valores negativos do Projeto Imobiliário poderiam ser aceitos como financiados à própria TIR e valores positivos reinvestidos à TIR; se tem que, considerando que parte relevante dos valores negativos do fluxo de caixa decorrem da compra do terreno (permuta ou parcelado) e do custo de construção que se inicia após a entrada de recursos provenientes das vendas no Pré-Lançamento e no Lançamento; pondera-se que há sim um autofinanciamento do projeto e, portanto, custos seriam financiados à TIR, uma vez que recursos das vendas também foram reinvestidos no projeto. Isto é, remunerados à própria TIR.
Inclusive, comissões de corretagem e impostos sobre as vendas, também são efetuadas apenas a partir dessas entradas, aumentando ainda mais o percentual de autofinanciamento[6].
Isto decorre do fato de parte expressiva do processo de vendas ocorrer no Lançamento do Empreendimento Imobiliário. Voltando à questão dos 32 projetos apresentados no IPO da Abyara, observa-se que 54,8% das vendas ocorreriam no Lançamento. Isto é, muito antes do início das obras, propriamente dita. Assim, apenas uma parte menor dos custos do projeto são financiados pelos Incorporadores e/ou por Terceiros. Esse é o caso, por exemplo, das Taxas, Comissões e Emolumentos associadas à Compra do Terreno e à Estruturação do Projeto, das despesas decorrentes da Adequação do Terreno, das Despesas de Incorporação e, principalmente, das Despesas de Publicidade e Marketing (Stand de Vendas e outros) destinadas a dar o start ao Lançamento Imobiliário o quanto antes para com isto antecipar a entrada dos recursos que autofinanciarão o projeto.
2 . Qual o papel da MTIR na avaliação de Projeto Imobiliários?
Se, tal como observado em i e ii, as falhas da TIR não se revelam na análise de Projetos Imobiliários ou não se sugerem relevantes; então qual seria o papel da MTIR nesse contexto? Se, como se viu, há custos “pagos” com recursos próprios do projeto; pondera-se que não seja apropriado trazê-los a Valor Presente ao Custo do Capital tal como proposto pela MTIR[7], pois que se trata de recursos oriundos de receitas reinvestidas no próprio projeto[8]. Da mesma forma, olhando pelo lado das receitas reinvestidas, se tem que também não poderiam ser renumeradas à TMA ou a qualquer outra taxa de mercado, pois que eles não ficam disponíveis a quaisquer outras opções de investimentos, a não ser para ser reaplicados no próprio projeto. Assim, em Projetos Imobiliários, pondera-se que seja a TIR, e não a MTIR, a mais apropriada para dar apoio à tomada de decisões de Incorporadores, Construtoras e Bancos, uma vez que aquela não sofre interferências externas arbitradas pelo analista de projetos. Sendo que o uso da MTIR poderá até mesmo distorcer percepções de viabilidade e atratividade do projeto perante esses players.
Conclusão
Neste artigo se buscou validar a aplicabilidade da MTIR nas análises de Projetos Imobiliários, uma vez que é dito que a TIR apresenta falhas em si própria e a MTIR seria a chamada a corrigir tais inconsistências. Assim, se iniciou a pesquisa buscando consistir se tais falhas existiriam, de fato, no âmbito dos negócios imobiliários. À medida que práticas de mercado e modelo de negócio levam ao autofinanciamento do projeto e inibem oscilações de sinais no fluxo de caixa, permitem contestar – ao menos em parte – pressupostos da MTIR, ao tempo que falhas da TIR não são evidenciados na análise de Empreendimentos Imobiliários. Por sua vez, a MTIR ao incorporar taxas externas de financiamento para valores negativos e de reinvestimento para valores positivos, em certa forma “polui” a taxa de desconto resultante. Nesse contexto, a TIR constitui consistente indicador financeiro que permite validar a viabilidade e atratividade de Projetos, não só pela justificativa apresentada, mas pela isenção que há implícita na sua geração.
[1] Estudou Mestrado em Finanças e Economia Empresarial pela Universidade Estácio de Sá (MADE/UNESA), Pós-graduação em Engenharia Econômica pela Universidade Gama Filho (CEPAC/UGF), Pós-graduação em Qualidade pela Universidade Gama Filho (CEQ/UGF) e é formado em Ciências Contábeis pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM), de Lima – Peru.
[2] À semelhança do que ocorre na Análise de Balanço; não será a profusão dos Índices Financeiros (financial ratio ou accounting ratio) e nem o uso indiscriminado deles o que dará uma melhor leitura da gestão da empresa, mas a escolha pontual de alguns deles que melhor refletem sua situação financeira. Hoje em dia conhecidos como KPI´s ou Indicadores Chaves e que - em geral - oscilam entre 5 e 10 apenas.
[3] Ainda são identificadas como falhas da TIR: iii) a possibilidade de dois ou mais TIRs poderem, ao mesmo tempo, “zerar” o VPL e iv) a necessidade de se trabalhar com investimento incremental (diferença nos valores de fluxo de caixa da alternativa com maior valor investido e a de menor valor) quando se tem Projetos mutuamente excludentes.
[4] Weighted Avarage Cost of Capital ou em português "Custo Médio Ponderado do Capital". Esta medida reúne em uma só a média ponderada de todos os custos em que uma empresa ou negócio incorre para financiar o seu capital. Isto inclui o capital próprio - como as ações emitidas -, ou o capital de terceiros relacionado com endividamento.
[5] À medida que Receitas são atualizadas a uma Taxa de Desconto maior (TMA) que a que atualiza o os Custos (WACC), obviamente reporta um VPL menor e este, por sua vez, implica na geração de uma TIR igualmente menor. Um VPL menor demanda de uma TIR menor para ser zerado.
[6] Importante lembrar que despesas como as de Manutenção ou de Relacionamento com Clientes, ao ocorrer ao final do projeto ou na entrega das chaves, também são financiadas com recursos das vendas.
[7] A simples inclusão de taxas de juros arbitrados pelo Analista de Projetos a um estudo que se pretende seja isento de interferências e traga credibilidade e confiabilidade à tomada de decisões, entende-se que o torna-o enviesado, ainda que essas taxas sejam devidamente validadas junto aos Investidores.
[8] Ainda quando há recursos oriundos do Capital Próprio ou do Capital de Terceiros, estes financiam parte menos expressiva dos custos do projeto.